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Nota conceitual #1: repetição vs. constância

Há um lugar comum que diz que a propaganda se faz pela repetição. Há, inclusive, uma afirmação atribuída a Goebbels – o ministro da propaganda nazi – de que “uma mentira repetida mil vezes se torna verdade”. Esse tipo de concepção atribui um poder ilimitado à técnica e nenhum poder à capacidade crítica das pessoas, como se a repetição ad nauseam, por disfunção narcotizante – para usar aqui o conceito de Lazarsfeld e Merton – pudesse transformar a realidade. Obviamente esse raciocínio não se sustenta na realidade.

Mas a ideia da repetição não é de toda errada. Feitas as devidas ressalvas, muito da propaganda e, em especial, na publicidade, se sustenta pela repetição excessiva. Isso é verdade para as marcas, slogans, logos e afins. Estão e devem estar em todos os lugares. Vejam o caso dos números de candidatos em propagandas eleitorais.

A repetição excessiva, contudo, não se aplica a todas as áreas. Pode parecer besteira, mas adianto que, a depender de como for, a repetição é enfadonha, entediante, cansativa e cumpre um desserviço para a comunicação. É o caso, por exemplo, quando a propaganda (lato sensu) se dá não pelos meios agitativos – digamos assim – mas pelo debate entre ideias. Pelos argumentos. Ou seja, a propaganda (stricto sensu), na acepção leninista da coisa. Não há coisa mais chata do que o comportamento de seitas em repetir (geralmente gritando) a mesma meia dúzia de palavras e achar que isso por si só (ou pela mágica da disfunção narcotizante) convencerá as pessoas. Em geral, a repetição da forma no debate ideológico é percebida como pobreza e superficialidade. Diferentemente, uma argumentação com propriedade é quase convidativa por si só. E aqui começamos a entrar na diferença entre a repetição e a constância. É como alguém que te empurra por um caminho (repetição) e alguém que te convida e te leva pela mão (constância). E essa não é apenas uma figura de linguagem.

Para explicar, às palavras.

Repetir vem da conjunção latina de re-, novamente, de novo, mais petere, pedir, perguntar, procurar, peticionar, exigir, etc. Ou seja, é a insistência em um determinado caminho já conhecido. Não à toa a ideia de “repetição” relaciona-se diretamente com uma “mesma forma”. Algo repetido é algo igual, de mesmo formato. Um logo, um número ou uma determinada cor em uma campanha são sempre exatamente os mesmos e por isso aqui se aplica a ideia de repetição.

Constância, por outro lado, tem um sentido qualitativamente diferente. Também de origem latina, é a conjunção do prefixo cons-, atribuindo intensidade, e stare, aquilo que está, que permanece, que está de pé, firme. Da mesma origem derivam circunstância, aquilo que está ao redor, distância, em relação aquilo que não está, e inconstância, aquilo que não permanece. Pois bem. Constante é aquilo que está junto e assim permanece. Esse “estar junto”, por lógica formal, não pode estar sozinho. Pressupõe algo que acompanha. Nesse caso o que permanece é o conteúdo e o que acompanha – e por ser acompanhante pode variar – é justamente a forma. Tal como um discurso (para a Análise do Discurso) que pode se materializar em diferentes textos sem deixar de ser o mesmo discurso, o constante permanece mesmo variando na forma.

Em síntese, repetição é a insistência da forma; constância é a insistência do conteúdo.

Há uma sutil e radical diferença nisso, mas que faz toda a diferença em termos de propaganda. Ora, propaganda política e ideológica é sobre disputar as consciências e ganhar os corações. Nunca haverá lugar aqui para o tédio e a chatice. É preciso domínio e profundidade sobre o tema para que se consiga trabalhar uma boa constância. Essa permanência do tema, mesmo que desdobrado em diversos textos e materiais diferentes, Jean-Marie Domenach chama de Lei da Orquestração em seu clássico A propaganda política. A imagem de diferentes instrumentos trabalhando para uma mesma composição é exemplar. O exímio propagandista é o que consegue adaptar o tom e o argumento ao contexto e ainda assim passar a mesma mensagem (discurso). O que está em jogo aqui é a constância. O mal propagandista é o que simplesmente repete a fala ensaiada. É a sutileza que separa o amador do profissional. É o detalhe onde mora o Diabo.

Por isso sempre tive e mantenho minhas dúvidas sobre “sistemas de consignas” (nunca entendi o espanholismo – quem sabe um dia investigo) e listas de palavras-de-ordem que parece caídas do céu ou simplesmente jogadas em adesivos, finais de panfletos etc. Não é possível medir a eficácia disso, mas me parecem meramente cumprir o imperativo da repetição – da forma, no caso – permanecendo vazias no conteúdo. Acho que é por isso que acho todas essas listas enfadonhas e acabo pulando-as. Diferente seria, com seriedade, trabalhar a constância dos motivos e a justeza dos argumentos. A arte toda está em demonstrar que todos os caminhos levam a Roma. Não insistir que “há um só caminho”. Isso exige pensar os materiais de propaganda (lato sensu) em um sistema de totalidade, não em unidades isoladas que bastam em si mesmas. O sentido do mosaico está no mural, não no pedaço de cerâmica. Mas aqui começa a se abrir uma grande outra discussão.

Claro, há uma grande zona cinzenta e indefinida entre o que é e o que deve ser repetição e o que é e deveria ser constância, como é com tudo conceitual que se aplica na prática. Isso não significa, contudo, que a distinção seja menos importante.